terça-feira, 21 de setembro de 2010

Crescimento, euforia e caos

.
À medida que Fortaleza crescia em espaço físico e demográfico – eram 240.000 habitantes em 1952 – não havia por parte dos poderes públicos, planejamento para que a cidade e seus moradores acompanhassem o desenvolvimento.

Mesmo nas áreas consideradas nobres da cidade, não havia infraestrutura urbana adequada e todos os serviços (transporte, água, recolhimento de lixo) eram insuficientes. E na periferia não poderia ser melhor. Além da inexistência de serviços básicos, não havia farmácias, lojas ou mercados e nem telefone público. Até a década de 1950, se formaram as favelas Pirambu, Mucuripe, Cercado do Zé Padre, Lagamar, Morro do Ouro, Varjota, Meireles, Papoquinho e Estrada do Ferro. A população carente também ocupava o Morro do Moinho, o bairro do Seminário, do São João do Tauape, o do Alto da Balança e Cajazeiras.

Vista aérea de Fortaleza em 1956

A periferização da cidade na forma de núcleos de favelas é a mais contundente prova de que a «bela e moderna capital» não era suficiente para todos, ou não possuía condições de abrigar tantos cearenses.

Nessa época a Aldeota, antigo Outeiro, consolidava-se como um bairro tipicamente residencial, com ruas largas, belos casarões e sobrados. Os terrenos eram enormes, davam para construir a casa, e sobrava espaço para o jardim, o quintal, o pomar. O bairro foi formado a partir da Avenida Santos Dumont. Mas passou a representar o bairro predileto da elite a partir da década de 1950.

Registro parcial da Praça do Ferreira durante os anos 50

Os bondes elétricos já haviam deixado de circular em 1947 devido aos altos custos e à deficiência do serviço à população. Os trilhos foram arrancados e vendidos para sucatas, enquanto os veículos eram abandonados e se deterioravam. O ônibus coletivo se tornou, em 1950, o principal meio de transporte do fortalezense, ainda que em funcionamento precário, pois eram mal conservados e poucos para atender a população. Nessa mesma época, também são instalados os primeiros sinais luminosos no centro da cidade, a prefeitura compra um gerador de 5.000 kW para reforçar a iluminação.

O fornecimento de água também era insuficiente. Basta citar o fato que de um total de 48.894 prédios urbanos, em 1959, apenas 9.321 dispunham de água canalizada, restando 39.573 dependentes do abastecimento domiciliar.

Nesse período estava sendo construído o açude de Orós, considerado o maior do mundo.

Vista aérea do Parque da Liberdade em 1954

A seca era mais um agravante que, intermitentemente, dificultava a vida na cidade. Mesmo sem muitos vínculos diretos com a agricultura, Fortaleza sentia os dramáticos efeitos das secas, uma vez que se tornava o principal destino dos sertanejos expulsos da zona rural. A cidade os acolhia muito mal, sem a estrutura necessária para recebê-los. Foi assim durante os dois grandes flagelos de 1951 e 1958. Em 1955, 2.773 cearenses haviam emigrado, dos quais, apenas 372 voltaram ao interior do Estado. E, nos primeiros meses de 1956, 1.559 emigrantes partiram por via marítima, 249 para o Sul e o restante para o Norte.

Apesar disso, a década de 50 registra uma redução no fluxo migratório para Fortaleza, que foi politicamente desviado pela migração inter-regional. Os migrantes fizeram parte de 17% da população total residente, sobretudo corresponderam a metade do incremento populacional do período 1940/50 e um quarto da População Economicamente Ativa de 1950.

"Apesar de ser uma cidade litorânea, Fortaleza nasceu e se desenvolveu de costas para o mar, pois tinha seus interesses voltados para o sertão. O banho de mar só surgiu no final da década de 1950, através dos clubes construídos na praia, como o Náutico, e o Ideal".

Foto dos anos 50 na qual temos, em primeiro plano, a Volta da Jurema e, à direira, toda a extensão da Beira-Mar

O povo dançava ao som do momento: o baião de Luiz Gonzaga. Em Fortaleza a festa de adultos era tradicional no Clube Maguary e os meninos se divertiam no Parque Americano, o primeiro parque de diversões permanente do estado. A diversão das elites baseava-se nas festas dos clubes sociais e cinemas. Depois de assistir aos filmes, os rapazes tinham como opção os cafés da Praça do Ferreira, nos quais, era proibida a entrada de mulheres.

Registro da inauguração da sede do Clube Náutico Atlético Cearense nos anos 50

"Só restava, para encompridar a hora de recolher-se à casa, o recurso dos longos papos às mesas de cafés, que os havia, as dezenas, à roda e nas proximidades da Praça do Ferreira. Nesses cafés de frequência variada, lá estavam os pequenos rádio-receptores, todos em mogno, geralmente com as caixas em forma ogival, em cantoeiras no geral de mármore ao alcance apenas da sintonia do proprietário, na transmissão de vozes, então máximo, de Vicente Celestino, Sílvio Vieira, Augusto Calheiros, Alberto Perroni, Fomendi: valsas, canções, cançonetas, foxes bem marcadas, sambas de Noel e choros de Pixinguinha e Benedito Lacerda". (Eduardo Campos)

A seleção de futebol ganhou em 1958 a sua primeira Copa do Mundo. Começavam a ser fabricados no país os primeiros automóveis. Inicialmente o Jeep Willys em 1952, o Fusca em 1953 e depois a Rural-Willys e Kombi em 1957. Parecia que tudo estava indo muito bem.

Rua Senador Pompeu que, nos anos 50, já estava devidamente pavimentada

A frota de carros particulares em Fortaleza começava a aumentar e, em 1951, foram instalados os primeiros sinais luminosos para controlar o tráfego no centro da cidade. Mas as bicicletas eram muito utilizadas. Boa parte delas eram importadas. Uma das mais famosas era da marca chamada Sears Roebuck. Por isso o desfile de ciclista era fundamental nas paradas de 7 de Setembro.

A autoestima dos brasileiros atingia níveis nunca antes conhecidos nos anos 50. Getúlio Vargas já havia instalado importantes indústrias de base (siderúrgicas) e agora o Presidente Juscelino Kubitschek estava construindo uma nova capital para o país. Nesta época a capital do Brasil ainda era a cidade do Rio de Janeiro.

Ainda não havia televisão no Ceará e o rádio tinha se transformado, desde a década passada, na principal distração em casa. Passava novelas, noticiários, músicas e programas humorísticos. A principal rádio do Ceará continuava sendo a PRE-9.

Foto dos anos 50, onde vemos o terreno no qual seria construída a Praça da Imprensa

Ainda faltava, contudo, à cidade, um elemento objetivo capaz de congregar o desejo de crescimento econômico com desenvolvimento humano, aliando a sistematização do conhecimento acumulado e disseminando o saber científico e técnico. Era o momento de ampliar as restritas fronteiras da educação superior no Ceará.

A universidade nasceu como resultado de um amplo movimento de opinião pública que teve início no ano de 1949. O principal interlocutor deste movimento foi Antônio Martins Filho, intelectual que veio a se tornar o primeiro reitor da então recém-criada Universidade do Ceará. Foi criada por Lei de dezembro de 1954 e instalada numa sessão no dia 25 de junho de 1955. Sua implantação deveu-se da união de várias instituições de ensino superior então existentes na cidade de Fortaleza: Escola de Agronomia do Ceará, Faculdade de Direito do Ceará, Faculdade de Medicina do Ceará e Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará.

A década do rádio cearense

Quando do seu início o rádio, na falta de uma linguagem própria, utilizava-se da literatura mundial e fazia encenação de clássicos de renome – instalava-se no novo meio o radioteatro – percussor da radionovela, gênero que se desenvolve e atinge um crescimento extraordinário em todo país devido à grande audiência alcançada. Gêneros, que foram mais significativos nas rádios que os adotaram como marca.

Famoso prédio da Rádio Uirapuru ainda existente na esquina das ruas Clarindo de Queiroz com General Sampaio, onde, totalmente modificado, funciona a sede do Diretório Central dos Estudantes da UFC

Foi o caso da Rádio Uirapuru, inaugurada em 1956, tinha como principal proposta manter uma programação moderna e diversificada, voltada para a informação e prestação de serviços. A próxima emissora seria a Rádio Verdes Mares, fundada em 1957 e pertencente ao grupo Diários Associados dava mais ênfase à informação, mas permeado por discurso político. A rádio Dragão do Mar foi a última da “Década de Ouro”, fundada em 1958, também começou com objetivos políticos.

Essa época de ouro do rádio cearense também é caracterizada pelo grande número de emissoras que se instalaram em Fortaleza e no Estado durante toda a década, cada uma com seus estilos e peculiaridades. Mas, o mesmo período também é marcado por uma série de improvisações e de experimentação na área da programação que ainda buscava sua estrutura definitiva.

Radialista Aderson Braz entrevista Juscelino Kubistchek juntamente com o deputado Paulo Sarasate para inauguração do Açude Orós

Sempre em busca de melhores condições para vencer a concorrência que se levantava e atender melhor ao público, a Ceará Rádio Clube se mudou para o Edifício Pajeú, na Rua Sena Madureira, dispondo de um auditório com capacidade para 500 pessoas, muitas vezes insuficiente para receber multidões que queriam aplaudir os grandes cartazes.

Mas foi, principalmente, o advento da radionovela cearense que marcou o início da concorrência entre as emissoras locais, em 1948, com a inauguração da Rádio Iracema de Fortaleza, a segunda emissora cearense depois de 14 anos de Pre-9. Embora as emissoras cearenses mantivessem um cast exclusivo, as novelas de maior sucesso eram escritas fora do Estado, vinham de outras rádios do país para serem montadas em Fortaleza.

Sede da Rádio Iracema (prédio de colunas) que, nos anos 50, situava-se na Praça José de Alencar

Dessa forma, a década de 1950 se constituiu na “Era de Ouro” do rádio local, tendo as radionovelas grande influência no crescimento do interesse pelo veículo e, consequentemente, o aumento do público ouvinte.