sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A distinção Leste-Oeste

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A década de 30 corresponde ao início de uma fase dinamizadora da economia, calcada na industrialização do País. Esse período é marcado pelo crescimento da população urbana, com diminuição do contingente rural. Com o aumento de pessoas morando nas cidades, problemas como a falta de moradia, a ausência de infraestrutura e a precariedade dos equipamentos e serviços urbanos afligiam grande parte da população. Durante o governo de Raimundo Girão, o urbanista Nestor de Figueiredo chegou a projetar a cidade compreendida em zoneamentos. No entanto, o projeto não passou pelo crivo dos governantes da época.

Vista aérea da cidade no final dos anos 30, quando da demolição da antiga Igreja da Sé

Após a Revolução de 30, o Ceará passou a ser governado por interventores do Governo Federal. Ascenderam duas organizações políticas que dominaram o cenário estadual: a Legião Cearense do Trabalho, com nítida influência fascista, e a Liga Eleitoral Católica, fortemente religiosa, representante da elite tradicional e de grande apelo popular. Eram os tempos da revolução tenentista e da chegada de Getulio Vargas ao poder.

O governador do Ceará, Marcos Peixoto, informado de que os tenentes tinham tomado os governos do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais se preparava para o combate. Mandou montar guarda nas principais estradas de Fortaleza. Triplicou o policiamento no Palácio da Luz (a sede do governo). Instalou várias metralhadoras na Praça General Tibúrcio. Mandou fechar o tráfego na Rua do Rosário e também na Rua Sena Madureira.

Rua Floriano Peixoto na esquina com Rua São Paulo, com ângulo de visão na direção da Praça do Ferreira. (Foto de 1935)

O ritmo de introdução das novas tecnologias em todas as atividades de Fortaleza mudou a paisagem da cidade em poucos anos, o que impressionava cada vez mais a população. A edificação do Excelsior Hotel (primeiro arranha-céu da cidade) em 1931, a primeira transmissão radiofônica em 1934, instalação da iluminação pública elétrica entre 1934 e 1935, inauguração da rede de telefonia automática em 1938.

Outros equipamentos também foram construídos: em 1930 a Estrada de concreto Fortaleza-Parangaba, atual Av. João Pessoa, construída pelo IFOCS (hoje DNOCS); o aeroporto para hidroaviões, na Barra do Ceará; e a empresa construtora “Edificadora do Norte”. Depois vieram o Campo de Aviação, no Alto da Balança, em 1931; o Mercado Central em 1932; e o ramal ferroviário Fortaleza-Mucuripe em 1933. Já a Praça dos Voluntários (Centro) data de 1938.

Banco Frota & Gentil, na esquina das ruas Floriano Peixoto e Senador Alencar

As primeiras instituições bancárias, criadas por grandes comerciantes e proprietários de terra, também surgem nesse período. Três dos primeiros cinco bancos estão assim associados ao comércio, e indiretamente à agricultura: o Banco Frota Gentil, pertencente a antigos donos de imóveis urbanos em Fortaleza; o Banco União S/A, de quatro proprietários, sendo um deles dono de terra urbana; e o Banco dos Importadores, também de proprietário de terras.

O núcleo comercial e social da cidade continuava girando em torno da Praça do Ferreira. Em 1932, foi demolido o coreto que ficava no centro da praça. Em 1933 o prefeito Raimundo Girão mandou construir no seu lugar a Coluna da Hora, com uma fonte dos desejos. Ao longo da praça foram colocados bancos de madeira sustentados por ferro fundido. O local que já era o principal ponto de encontro dos fortalezenses passou também a ser palco de festividades como desfiles de carnaval e, posteriormente manifestações de protestos da população. O chamado "coração da cidade" era o polo difusor de todas as formas de expressão popular em Fortaleza.

Multidão concentrada na Praça do Ferreira aguardando o desfile de blocos de carnaval

O sertão sofreu mais uma estiagem em 1932, e o governo estadual não pôde dispor mais da Amazônia como refúgio para os flagelados. Diante disso, foram criados os currais do governo ou, sem eufemismos, campos de concentração para os retirantes.

A fim de prevenir a "afluência tumultuária" de retirantes famintos a Fortaleza, cinco campos de concentração localizavam-se nas proximidades das principais vias de acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas e se viam à mercê da caridade pública ou privada. Dois campos menores situavam-se em locais estratégicos de Fortaleza, conectados às estações de trem que traziam os famintos, impedindo que eles circulassem livremente pelos espaços da cidade. Os campos, portanto, pretendiam impedir a mobilidade física e política dos retirantes através da concessão de rações diárias e de assistência médica.

Theatro José de Alencar em registro de 1931

Em consequência dessa realidade, a década de 1930 proporciona também o surgimento das favelas em Fortaleza. Antes disso, os subúrbios de Alto Alegre, de Barro Vermelho e, sobretudo, do Arraial Moura Brasil eram considerados pela imprensa e pela polícia os mais perigosos da cidade.

"No Mucuripe, a favela surgiu em 1933 (...) iniciando a incorporação de loteamentos periféricos nessas áreas. A favela surgiu como alternativa da classe trabalhadora, espoliada, desprovida de um pedaço de chão, relegada às periferias mais distantes e/ou as áreas de risco. Nessas áreas, os equipamentos de consumo coletivo, bem como os serviços, se mostram mais reduzidos, tornando ainda mais difíceis as condições dessa população. Esse é o modo como a Cidade vem sendo produzida, ou seja, extremamente segregada".

Litoral leste da cidade, onde seria construída a Avenida Beira Mar (foto dos anos 30 com vista a partir do Meireles)

As próprias elites haviam se deslocado para oeste, no Jacarecanga, onde proliferam mansões e palacetes e fazendo daquele espaço o primeiro bairro elegante de Fortaleza. Mas devido a posterior localização industrial, valorização fundiária e imobiliária, essas mesmas elites, a partir dos anos 1930, transferiram-se para o Benfica ou “Gentilândia”, pois a família Gentil, na década de 20 havia começado a construção de casas formando uma espécie de vila, tendo necessariamente que abrir ruas. Depois mudaram-se para a Praia de Iracema e para a Aldeota.

Os espaços litorâneos se valorizaram como lugares de lazer e habitação das classes abastadas. Em Fortaleza, esse interesse das elites pelo litoral marca o início de uma disputa urbana por espaços antes ocupados por uma classe de baixo poder aquisitivo.

Visão da rua Guilherme Rocha com destaque para o recém inaugurado Excelsior Hotel, reinando único como o maior edifício da cidade

Com a saída das classes mais abastadas para as áreas mais distantes do centro, acontecia a valorização de terras e a chegada de novas demandas sociais, que passavam a instalar prédios comerciais, escritórios e finalmente, prédios residenciais. Foi na década de 1930 que a verticalização passou a atender a fins residenciais.

Foi no centro da Cidade que surgiram os primeiros indícios do que seria a verticalização em Fortaleza. A verticalização, em seu primeiro momento, ou seja, a partir de 1930, estava ligada aos serviços como, por exemplo, o hotel Excelsior, o Edifício J.Lopes, o Lord, o Cine Diogo e depois o Cine São Luiz, o San Pedro, o Savannah e o prédio do INPS.

Santa Casa de Misericódia e vista parcial do Passeio Público em 1932

Na observação de Paulo Linhares, "a partir dos anos 30, o funcional e o social passam a se distinguir em Fortaleza, fortemente e de maneira precoce. Sem dúvida, a cidade se organiza em torno de dois polos: ao leste, a cidade da nova elite e, ao oeste, a cidade industrial e trabalhadora. Com o castelo do Plácido, obra pioneira de residência de alto luxo da cidade, construída na Aldeota (de estilo duvidoso, como a maioria das construções da nova burguesia urbana), a alta burguesia passaria a construir em direção ao leste. Bem longe do centro, das fábricas e dos pobres, criando um novo espaço de diferenciação social, tentando marcar o seu prestigio e aprendendo tropegamente uma certa arte de viver".

Amelia

Fortaleza recebeu em 1937, a visita da piloto norte-americana, Amelia Earhart, cuja passagem entre nós proporcionou alguns dos melhores registros fotográficos da cidade nos anos 30.

Ambiciosa e destemida, Amelia foi a primeira mulher a cruzar o oceano Atlântico em voo solo, em 1932, façanha até então conseguida apenas por Charles Lindbergh, em 1927. Nessa aventura, a solitária aviadora quebrou também o recorde de velocidade para voo transatlântico, estabelecendo-o em 14 horas e 56 minutos.

A garota nascida em Kansas e que já havia trabalhado como enfermeira durante a Primeira Guerra Mundial, lançou-se em mais um desafio: queria ser a primeira mulher a completar uma viagem aérea em torno do globo terrestre.

Vista aérea de Fortaleza em 1937. Podemos ver, ao centro, a antiga Igreja da Sé e abaixo um trecho da zona portuária

Poucas semanas depois de sua passagem por Fortaleza, no dia 2 de Julho de 1937, Amelia Earhart descolou para aquela que seria a sua segunda tentativa de dar a volta ao mundo em avião. Partindo de Oakland, a bordo de um Lockheed 10E Electra e acompanhada do navegador Fred Noonan, Amelia fez escalas - para mencionar apenas as principais – em Miami, Caraíbas, Brasil, Senegal, Sudão e Etiópia, Índia, Birmânia, Tailândia, Indonésia, Austrália, Nova Guiné. Daqui, descolaria em direção à ilha de Howland, no Pacífico. Nunca chegou.

Foto do mesmo ano de 1937, na qual percebemos claramente o avanço do mar sobre o a Praia de Iracema

O seu desaparecimento sobre o Pacífico, muito provavelmente devido a más condições atmosféricas e comunicações deficientes, deu origem às teorias e especulações mais imaginativas. Uma delas referia à época que esta viagem de Amelia seria uma acção de espionagem sobre os japoneses a pedido do então presidente Franklin Roosevelt. Outra teoria dizia que o avião se despenhara numa ilha do arquipélago das Marianas, Saipan, então sob ocupação japonesa, e que ambos teriam sido capturados e executados. E uma outra, mais delirante ainda, refere que Amelia teria sobrevivido, regressado aos EUA e assumido uma nova identidade.

14 comentários:

  1. sempre procurei saber sobre a historia de fortaleza e aqui encontrei o que estava procurando adorei .

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  2. permita apenas a correção do nome da aeronave de Earhart: era um Lockheed 10E Electra. O avião dela pode ser visto no link abaixo:

    http://en.wikipedia.org/wiki/File:Earhart-electra_10.jpg

    qto ao resto do texto, maravilhoso! Seu blog é ótimo pra ler e minha referência já. Favoritei aqui..

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  3. Parabens pelo otimo trabalho sou professor de historia e me senti embevecido por seu conteúdo e ilustrações

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  4. Parabenizo os criadores desse site, realmente me fez efetuar uma incrivel viagem ao passado. Maravilhosas e preciosas as fotos apresentdas.
    Parabens.
    Jader Freitas Saraiva

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  5. Sou filho de um Cearense (ex-soldado da borracha) de nome Valdevino de Oliveira Mendes; pesquisando sobre o Estado do Ceará, cheguei a esse Blog, naveguei-o e gostei muito, parabens ao seu criador!.

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  6. Estou tentando encontra dados/fatos e fotos dos bairros; Santa Luzia do Coco,( hoje Jardim das Oliveiras e Luciano Cavalcante) Alto da Balança, Vila Cazumba e Edson Queiroz ( antigo Dender), caso tenha me liga; 998108665 tim, 991367097 claro, 985700592 oi, pode ser a cobrar. falar com domingos

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  8. Q vontade de voltar a essa época e desfrutar de uma linda cidade

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  9. Uma verdadeira viagem ao passado da minha Fortaleza! Parabéns aos idealizadores do blog! ;)

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  10. Eu queria saber de vocês que criaram esse blog,porquê a divisa de Fortaleza é o Rio Ceará na barra do Ceará com a Caucaia e no Bairro do António Bezerra é o Rio Maraguapinho,não dá pra entender.No meu entendimento seria o certo manter o percurso do Rio Ceará,então seria a divisa certa ali na ponte aonde fica os Índios Tapebas,seria o correto.Queria uma resposta de vocês que criaram esse blog Oliveira.

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  11. Visualizando e lendo as postagens e os detalhes históricos, parabenizo pelo belo trabalho, espero que esse blog não seja esquecido ou que não tenha continuidade.
    Observo agora que o Ceará viveu o futuro entre as décadas de 30 a 70. O que vivemos hoje é uma pintura insólita de caos em que nada se parece com o futuro vivido naqueles tempos! mais uma vez parabéns pelo trabalho caprichoso, que demanda tempo e dedicação.

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  12. Nossa cidade é linda e tem muita história. me orgulho da nossa capital !

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  13. Parabéns pelo artigo! Com certeza em Fortaleza vale a pena conhecer a Hipnoterapia também, deixo meu contato: https://www.instagram.com/juniorbatista.hipnose/

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