domingo, 24 de janeiro de 2010

Tempos precários

.
A Carta Régia que autorizou a criação da Vila do Ceará ou de são José do Ribamar em 1699 originou muitas contendas em torno de uma questão fundamental: onde instalar o Pelourinho, coluna de pedra ou madeira simbolizando a autonomia municipal. Os desentendimentos entre as autoridades levaram à decisão de elevar Aquiraz à condição de vila e sede da Capitania em 1713. Assim, somente graças aos ataques indígenas desferidos em Aquiraz é que Fortaleza, em 13 de abril de 1726, finalmente foi denominada de Vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.

A condição de vila não foi suficiente para garantir a sustentação econômica de Fortaleza, isolada do interior, onde se desenvolvia a chamada civilização do couro e do gado. Dependente de Aracati comercialmente, Fortaleza continuou sem expressão político-econômica até o final do século, quando a Capitania do Ceará foi desmembrada de Pernambuco e Fortaleza escolhida capital.

Na opinião do pesquisador Clovis Ramiro Jucá Neto, "por todo o Setecentos, os documentos cearenses revelam o incômodo causado pela ausência de técnicos - engenheiros, mestres de obras e carpinteiros, dentre outros - e de instrumentos que viabilizassem a delimitação dos termos das vilas, a implantação dos núcleos, a construção das casas de câmara e cadeia, ou que atribuíssem ao forte da vila de Fortaleza outra imagem que não fosse a de ruína".

Essa reprodução, baseada no primeiro desenho da Vila, elaborado pelo Capitão-mor Manuel Francês em 1726, mostra algumas poucas edificações rústicas e precárias, que foram construídas de forma dispersa nas margens do Pajeú

A título de ilustração, vale mencionar um trecho da carta em que o Capitão-mor do Ceará Grande, João Baptista de Azevedo, informa, em 12 de março de 1783, o estado em que achou a Capitania:

“A Fortaleza, única defesa de toda aquela Capitania, não é mais que um monte de areia, em que se acha muito mal fabricado um aquartelamento, e doze peças muito arruinadas, sem mais reparo, estacada, nem parapeito. Consta a guarnição de cento e quatorze homens de Infantaria, e doze de Artilharia, todos descalços e quase nus, porque o mais bem vestido está em camisa e ceroulas, não se lhes paga a consignação destinada para se fardarem, e o pagamento do soldo anda muito atrasado; não há petrechos alguns de artilharia, e das armas por acaso alguma se acha em termos de servir. A farinha com que são municiados é pobre, e assim mesmo se dá aos soldados pelo preço de 1920 réis o alqueire... Que na casa destinada para a enfermaria não há cousa alguma do que é necessário para aquele efeito. A Villa chamada de Fortaleza não merece nem o nome de aldeia”...

Mas, segundo José Liberal de Castro, a sobrevivência do pequeno povoamento fazia-se necessária, pois “o mar, em frente as terras cearenses, principalmente mais para o noroeste da Fortaleza, sofre calmarias temporárias. Os ventos sopram semestralmente em sentidos contrários. Assim, uma caravela que do Pará demandasse a Pernambuco teria muitas vezes de esperar seis meses para partir. Em algumas ocasiões, seria mais rápido ir à Lisboa, para de lá retornar às outras partes do Brasil. Por consequência de tal fenômeno, nasceria o interesse de se manter uma povoação fortificada na costa cearense, onde as naus pudessem fazer eventual aguada ou, em caso extremo, descer a terra, continuar a viagem, palmilhando a praia pelo menos até o Punaré, que é o rio Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão. A essa condição especial de local de Baldeação é que a Fortaleza deve a sua existência”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário