sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Um novo momento

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No final do Século XIX Fortaleza consolida-se como centro urbano de importância regional e como capital do Estado, apesar da vicissitude das secas e do enorme êxodo rural. Em 1895, Antônio Bezerra descreve Fortaleza como uma cidade de 985.000 km² com 34 ruas no sentido Norte-Sul, 27 ruas no sentido nascente-poente e 14 praças. Nesse mesmo ano, de acordo com o professor Geraldo Nobre, “contando com 14 estabelecimentos de panificação e massas alimentícias, 9 tipografias e oficinas diversas, a capital cearense possuía, naquela ano de 1895, nada menos de 150 instalações industriais, embora na maioria de pequeno porte”.

Café do Comércio situado na Praça do Ferreira, na esquina das ruas Guilherme Rocha e Major Facundo. (Cartão colorizado do início do Século XX)

Os números do recenseamento de 1900 indicam que Fortaleza tinha exatos 48.369 habitantes, e chegaria ao final da década de 1910 como a sétima cidade em população do Brasil. Em 1911, segundo Divisão Administrativa, a capital do Ceará compunha-se dos distritos de Fortaleza e Patrocínio.

A capital melhora sensivelmente o seu aspecto urbano e passa a tomar medidas de higienização social e de saneamento ambiental, além de executar um plano de reformas urbanas com a implantação de jardins, cafés, coretos e monumentos, e a construção de edifícios seguindo padrões estéticos europeus. Verificam-se grandes inversões na área industrial e principalmente nos sistemas de transporte.

“Todavia, – lembra Raimundo Girão – outros problemas essenciais não encontravam solução, como o do abastecimento d’água e o da rede de esgotos. Continuava a cidade a suprir-se do precioso líquido, retirando-o em cacimbas escavadas nos quintais das casas e elevada por moinhos de vento a rodarem desesperadamente dia e noite. Pelo seu crescido número, às centenas, ofereciam esses cataventos sugestivo aspecto a quem observasse a cidade de qualquer ponto mais saliente”.

Vista da Igreja do Carmo em 1910. Ao fundo, pode-se ver os limites habitados a oeste da cidade e, à esquerda, a Avenida Duque de Caxias sem pavimentação. (postal colorizado à mão)

Com um crescimento acelerado, Fortaleza, por volta de 1910, exportava pelo porto do Mucuripe matérias-primas de origem vegetal e animal, cera de carnaúba, óleo de oiticica, mamona, babaçu e algodão, peles de animais silvestres e domésticos. Na via oposta, eram importados itens industrializados, máquinas, automóveis, tecidos de lã e linho, ferro, aço, medicamentos, carvão, chumbo e cimento. Também data desse período a construção dos primeiros prédios com mais de quatro andares.

Na virada do século o intendente de Fortaleza era o Coronel Guilherme Rocha (1892-1912). Para muitos historiadores, depois do boticário Ferreira, foi ele quem mais se empenhou na urbanização de Fortaleza, inaugurando em 1902, por exemplo, os jardim da Praça do Ferreira. Várias outras praças que eram tomadas de arbustos e capins também foram ajardinadas pelo novo intendente.

Início da Rua Major Facundo, na altura do Passeio Público

Em 21 de fevereiro de 1903 foi criada a Faculdade de Direito do Ceará, sendo a primeira instituição de ensino superior do Estado. A faculdade surgiu antes mesmo da própria Universidade Federal do Ceará, com o nome de "Academia Livre de Direito do Ceará". A reunião de fundação ocorreu na Associação Comercial do Ceará e nela foi aclamado primeiro diretor Antônio Pinto Nogueira Accioly.

O Curso começou a funcionar no andar superior do antigo prédio da Assembleia Legislativa, hoje Museu do Ceará, situado na Praça dos Leões. O prédio onde atualmente está localizada a Faculdade, situado à Rua Meton de Alencar, de frente para a Praça Clóvis Beviláqua, foi inaugurado em 12 de março de 1938.

Praça do Palácio em cartão clorizado de 1910. À direita, a estátua do General Tibúrcio, cearense herói da guerra do Paraguai que, posteiormente, daria nome à própria Praça que, com o tempo. ficaria conhecida apenas como Praça dos Leões

Conforme depoimento do professor Álvaro Costa, "foi a criação da Faculdade de Direito instrumento poderoso de democratização da cultura superior, pondo ao alcance de maior número a educação universitária adstrita antes ou a famílias abastadas, que podiam custear os seus filhos em outras terras, ou àqueles espíritos superiores, pobres de dinheiro, mas ricos de vontade, que se aventuravam aos centros adiantados em busca de saber, a troco de incertezas e amarguras".

No âmbito do espaço urbano formal, as novidades também eram notáveis. Segundo o pesquisador Sebastião Rogério Ponte, “paralelas às obras erguidas pelos poderes públicos e pelo capital, as camadas afluentes fizeram surgir novas lojas, hotéis, clubes, mansões e chácaras. Prevaleceu nestas construções o ecletismo arquitetônico, estilo de arquitetura dominante na Europa desde meados do século XIX e então em voga no Brasil republicano. Tais edificações e a arquitetura eclética que as acompanhava, na apreciação de um conspícuo arquiteto de nossos dias, conferiam ao conjunto urbano de Fortaleza uma notável unidade Formal, gradativamente destruída depois de 1930”.

A foto data de 1910. É o palacete Guarani, construído e inaugurado em 20 de dezembro de 1908, funcionando nos altos a Associação Comercial do Ceará e no térreo o London Bank a partir de 1910. O prédio fica na rua Barão do Rio Branco com Senador Alencar, mas foi totalmente descaracterizado.

Exemplo dessa arquitetura é o prédio do Palacete Guarani, na esquina das ruas Senador Alencar com Barão do Rio Branco. Antes, segundo o Portal da História do Ceará, existia no local "o matadouro de Fortaleza, cujo caminho para o mercado era chamado de rua das Hortas (Rua Senador Alencar). Depois, foi construído no local o sobrado do coronel José Eustáquio Vieira, onde residiu o comendador Luiz Ribeiro da Cunha, seu genro, até incendiar-se em 1902. O terreno foi então adquirido pelo Barão de Camocim que trouxe de Paris uma planta e fez construir o Palacete Guarani. Como o Barão de Camocim era o presidente da Associação Comercial, a mesma passou a funcionar ali, nos altos. Em 1925 o London Bank deixa o prédio e o Banco dos lmportadores passou a funcionar na parte térrea e o Clube dos Diários nos altos. Lá também esteve a Boate Guarani".

Em 1905, no dia 24 de junho, inaugurava-se a sede própria da associação de nome de Fênix Caixeiral, fundada por um grupo de empregados do comércio de Fortaleza. Ficava na praça José de Alencar, na esquina das Ruas General Sampaio com Guilherme Rocha. Durante várias décadas, a então "Phenix Caixeiral" desempenhou papel relevante na sociedade. Congregava gente como contadores, despachantes de alfândegas, leiloeiros, corretores, empregados de bancos e uma quase infinidade de classes trabalhadoras.
Sede da antiga Fênix Caixeiral na esquina das ruas Guilherme Rocha e General Sampaio, em 1910 (Postal colorizado à mão)

Em 1915 foi inaugurada a segunda sede, desta feita na esquina da mesma Rua Guilherme Rocha com a Rua 24 de Maio. Nos dois prédios funcionavam a Escola de Comércio (a primeira de Fortaleza a ter aulas à noite), o Cine-Teatro Fênix, a Biblioteca Social, o Pátio de Diversões, o Campo de Cultura física, Assistência Médica, Dentária e Judiciária, o Tiro de Guerra, o Dispensário Profilático e, a partir de 1926, o Banco de Crédito Caixeiral. Durante a revolução de 1930, manteve a Guarda Cívica Fenista.

A primeira década do século chegava ao fim trazendo algumas novidades que foram incorporadas ao cotidiano da cidade e passariam a fazer parte do universo cultural do povo de Fortaleza. Em 1909, foi inaugurado o Cinema Rio Branco, na rua do mesmo nome. No ano seguinte foi a vez do Theatro José de Alencar que, inaugurado oficialmente em 17 de junho, tornou-se o principal espaço cultural da cidade. Nessa época, Julio Pinto abriu o Cassino Cearense, na Rua Major Facundo. Mas foi a chegada do primeiro automóvel que, literalmente, assustou os fortalezenses. É o que conta Marciano Lopes:
Igreja do Rosário e vista parcial da Praça dos Leões em registro de 1908. A data, porém, talvez não esteja correta, uma vez que na foto aparece um automóvel. Mas Fortaleza, segundo sabemos, só veio a testemunhar o primeiro carro em 1909. Fica, portanto, a dúvida

"Na madrugada do dia 28 de março de 1909, a pacata cidade de Fortaleza acordou sobressaltada. Por volta das 22 horas um barulho desconhecido se fazia ouvir e crescia, perturbando as silenciosas ruas de pedras toscas. Das janelas, olhares curiosos, perplexos, face a uma visão jamais imaginada ali. Um veículo estranho, tão pertinho de todos a se mover lentamente, conduzindo alguns cavalheiros elegantes e respeitados da época. Clóvis Meton, Dr. Meton de Alencar, Dr. Gadelha e Júlio Pinto inauguravam, visivelmente emocionados, o primeiro carro a motor de Fortaleza, o “rambler”.

Neste cartão postal colorizado à mão e editado em 1909, vemos a Rua Formosa, (Atual Barão do Rio Branco) no sentido Passeio Público, como um retrato da cidade antes do aparecimento do primeiro automóvel

Duas Fortalezas

O novo século chega e com ele a certeza de que o progresso experimentado pela cidade não será em benefício de todos. A ampliação dos bolsões de pobreza nos arredores de Fortaleza já era uma realidade, principalmente em virtude do flagelo das secas e do êxodo rural que anualmente expulsava milhares de trabalhadores rurais do campo rumo aos centros urbanos. Nessa época, Fortaleza já era o principal destino dos desvalidos.

Trecho da antiga Praia Formosa onde hoje situa-se o Marina Park. Aqui podemos ver a linha férrea que seguia para o porto e dividia, de um lado um aglomerado de habitações precárias e, de outro, a zona urbana e póspera da cidade

Nas palavras de Frederico de Castro Neves, "a necessidade que começa a se formar nesse instante é de manter os retirantes fora de um limite de contato, longe dos espaços públicos frequentados principalmente pelas elites aburguesadas da capital.(...) cada vez mais esta necessidade se manisfestará, alcançando as atitudes individuais e coletivas, isoladas ou institucionalizadas. (...).Controlar os movimentos dos retirantes, impedir sua livre circulação pelas cidades e até por todo o território do estado, vai ser a principal medida a ser implementada pelos governos provinciais ou estaduais desde então".

Por outro lado, a cidade via cada vez mais fortalecida a elite formada principalmente pelos grandes comerciantes locais e seus agregados, que se sentiam incomodados em ter que “compartilhar” o “seu” espaço urbano com gente de “classe inferior”. Foi a partir daí que os mais ricos começaram a se afastar do centro da cidade, passando a ocupar lugares então considerados mais distantes como o Benfica, Jacarecanga, Praia de Iracema e, posteriormente, Aldeota.

O presidente da província do Ceará, Caio Prado (no centro do grupo) e seus amigos na chácara do livreiro Guálter Silva, no Benfica. A foto é de 1888 ou 1889

Entre os anos de 1888 e 1889, o próprio presidente da Província do Ceará, Caio Prado, foi um dos principais incentivadores da migração de cearenses para outras regiões do país.

Noticiais de jornais da época davam conta que em apenas dois vapores da Companhia Brasileira, embarcaram 2.720 emigrantes; outro jornal revelava que no período entre 19 de setembro a 12 de janeiro do ano seguinte, deixaram a província 5641 pessoas com destino ao sudeste e 2421 cearenses foram para o Norte.

Avenida Caio Prado no Passeio Público, que era frequentada pela elite da cidade

A desigualdade e a divisão social estavam presentes até mesmo naquelas obras construídas para serem espaços públicos de lazer e recreação. É o que diz Sebastião Rogério Ponte, quando relata que o Passeio Público foi edificado para ser “lugar de recreação para todos ... mas separadamente”. Elaborado em três planos, a área central era frequentada apenas pelas elites, pelas pessoas de classe, cheias do dinheiro, ao passo que os outros dois planos eram reservados para as classes médias e populares. Obviamente, não existia nenhuma determinação oficial, dividindo o Passeio por tipos de frequentadores; a separação ocorria naturalmente, como assim acontecia nos cafés da Praça do Ferreira. Lá ia todo tipo de gente. Mas nem todo mundo era bem-visto.

2 comentários:

  1. Gostei muito do seu blog, gostaria de saber si vc tem algum dado sobre a escola clóvis beviláqua que fica na Dom Manoel com Santos Dumont,estão fazendo 100 anos e preciso dos dados de quando era um grupo escolar. Caso possa me ajudar eu agradeço. Aguardo contato pelo email mara_apoio@yahoo.com

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  2. Senhores, foi totalmente restaurado o antigo Palacete Guarani, que hoje hospeda uma agência bancaria, vale a pena ir na Barão do Rio Branco, 714, esquina da Senador Alencar para fotografar para o histórico do palacete e da cidade de Fortaleza, fica aí a Dica. Adriano

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